Podia falar-vos sobre como derivar uma
função logarítmica, ou até explicar-vos a nomenclatura dos alcanos, dos
alcenos e dos alcinos, mas não me sinto bem a massacrar-vos os
neurónios, nem vos desejo assim tanto mal (ai, que sou tão fofa).
Portanto hoje decidi falar: não de Matemática, não de Química, mas sim
de Português. Sim, sim: de Português.
- Mas, ó Joana, disso já todos sabemos. Tenho o dobro da tua idade, minha menina! Sabes há quantos anos já falo português?!
Pelos vistos não há anos suficientes.
Considero particularmente trágico que
haja por aí gente a desconhecer por completo o significado da palavra
“literalmente” – algo “à letra”, que aconteceu na realidade. Eu sei que
estamos em crise (juro que é verdade: foi o senhor do telejornal da SIC
que me disse), mas tenho de solicitar aos
não-gramaticalmente-entendidos que, ao invés de adquirirem comida e
outras coisas que não cultivam em nada a inteligência, comprem, por sua
vez, um dicionário. De uma vez por todas: se dizem que “morreram
literalmente”, das duas, uma: ou a teoria de que os zombies vão
dominar a Terra está correta, ou então a vossa gramática é que anda toda
trocada. Eu aposto na segunda hipótese, apesar de a ideia dos zombies dominarem a Terra ser bem mais empolgante.
Hoje vou ensinar-vos uma palavra nova:
figurativamente. E cá têm mais uma: metaforicamente. Um piano pode
cair-vos metaforicamente em cima da cabeça. E figurativamente também.
Então e literalmente? Literalmente também pode… só que dói um bocadinho
mais. Aleija. Faz dói-dói. Estamos entendidos?
Ainda ontem alguém me dizia: caguei literalmente para ele.
Não me levem a mal, mas eu li isto antes da hora de almoço. Como devem
imaginar, não é uma imagem bonita de se ter na cabeça minutos antes de
se ir comer puré de batata com carne moída. Na verdade, não é uma imagem
bonita de se ter na cabeça seja em que altura for. A todos os que
alguma vez me disseram isto: desejo que sejam literalmente engolidos por
um hipopótamo. E é só o que tenho a dizer.
E ainda diz a minha professora de
Português que eu não entendo nada de gramática. Com certeza não andamos a
conviver com as mesmas pessoas. Os meus próprios pais padecem deste
défice linguístico! (A teoria da adoção faz cada vez mais sentido.)
Ainda no outro dia estavam eles a dizer aos amigos que ah, e tal, a minha filha é literalmente uma terrorista.
Ora cá está uma novidade. Sou uma terrorista! Bom, espero ser ao menos
uma daquelas terroristas como deve ser: que faz atentados e deita
prédios enormes abaixo, e tal. Será que já apareci na televisão? Oh! E
será que sou procurada internacionalmente pelas autoridades?! Deverei
estar preocupada? Bom… parece-me que a única solução é deixar de ir à
escola. É o mais seguro. (Não concordas, papá?)
Pronto, era só isto. Agora parem lá com
isso. E é bom que estejam todos literalmente cheios de medo de serem
engolidos por um hipopótamo, caso vejam coisas literais onde elas não
existem. Até à próxima aula de Português. (Acho que sou capaz de ter
futuro para a coisa.)
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