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terça-feira, 4 de setembro de 2012

Ser menor de idade é uma treta

Ora muito bom dia, querido leitor.

Todos sabemos que conviver com os nossos pais – enquanto menores de idade – é algo que, por norma, nunca se revela uma tarefa fácil – pelo menos, conviver com os meus. As pessoas dizem que “ah, e tal, à medida que vais crescendo eles deixam de te chatear tanto e dão-te mais liberdade” – dão liberdade e deixam de chatear, o caraças!

- Joana! O teu quarto está uma bagunça; quero isto arrumado... até ao final da semana!
- Mas... mãe: ainda na semana passada o arrumei!
- Se chamas àquilo arrumar... Vá: ou vais arrumar o quarto, ou ficas sem computador o resto das férias!

Merda. Agora entrámos no campo da chantagem, como já vem a ser hábito – não o fazer seria quase como quebrar uma tradição –, não tenho outro remédio senão aventurar-me pelas inúmeras prateleiras cheias de peluches, livros, e vá-se lá saber mais o quê.

- Joana, deixaste outra vez a porcaria da televisão do teu quarto em stand-by! Quantas vezes é que já te disse que isso é o mesmo que pegares nas notas que tens na tua carteira e limpares o rabo com elas?!

Sempre tinha sentido uma grande admiração pelas comparações que o meu pai tanto gostava de fazer... Por mais irónico que possa parecer, todas envolviam bosta – sim: merda –, o que, vindo do meu pai, já se considera uma patologia crónica – acho que ele, simplesmente, não o consegue evitar. Mas bom, após ter limpado o quarto (de cima a baixo) e ter desligado (decentemente) a televisão – sim, carreguei no botãozinho que diz “on/off” –, decidi, finalmente, ir usufruir do meu, quase sempre adorado – tirando aqueles dias em que decide armar-se em rebelde e desobedecer aos meus pedidos –, computador.

- Joana, já estás aí há horas! Estou farto de te ver em frente a esse computador; vai ver um bocado de televisão, que sempre é melhor.

Ok: começo a ficar confusa. Primeiro: acabei de ligar o computador (ele ainda nem iniciou por completo); segundo: antes queriam que desligasse a televisão porque a tinha deixado em stand-by – agora querem que a vá ligar de novo? Decidam-se! Enfim: decidi não resmungar e cumpri com a vontade do meu pai

- Joana, e se desligasses essa televisão um bocado?! Vai ler qualquer coisinha! Não tens lido nada, desde que começaram as férias.

Caramba! Não dá para ter um minuto de sossego, nesta casa. Muito bem: querem que eu leia, certo? Então ligam-se as legendas do filme, não seja por isso! Assim faço como aqueles detergentes, que tanto são publicitados nos intervalos das novelas – para minha solene irritação –, “dois em um”. Mas, entretanto, recebi uma chamada, de uma amiga, a convidar-me para ir ao cinema.

- Pai, dás-me dinheiro para ir ao cinema?
- Mas ainda no outro dia te dei dinheiro para não sei o quê! Não te dou dinheiro nenhum, vai pedir à tua mãe.

“No outro dia”? Sim, claro. Se por “outro dia” ele se refere a “há dois anos, seis meses e uma semana atrás”, aí – sim –, concordo. Acho incrível esta falta de noção de tempo que os meus pais, e talvez os vossos também – não devo ser a única –, têm; deve ser da idade.

- Mãe, dás-me dinheiro para ir ao cinema?
- Ao cinema? E pediste autorização a quem, para ir ao cinema? Vais com quem? A que horas? Quem é que te vem buscar? E pôr a casa?

Queres ver que vim parar a um interrogatório da Polícia Judiciária e não sei?

- Vou com a Alexandra e com uns amigos... A mãe dela leva-me (e traz-me a casa). E o cinema é às 22.40h. Mas dás-me dinheiro ou não?
- Mas espera lá: que “amigos” são esses?! Eu conheço? E porque é que vão ao cinema tão tarde? Porque é que não foram durante o dia? Estiveste em casa sem fazer nada, que eu saiba.

Caneco, assim não vamos a lado nenhum. Para as pessoas que, neste momento, estão a pensar que eu sou uma criança de dez anos de idade, eu esclareço-vos – tenho dezasseis (sim, leram bem: dezasseis).

- Não fomos à tarde porque não nos lembrámos disto mais cedo, mãe! Mas posso ir ou não?
- Mas não me respondeste à pergunta! Quem é que são esses “amigos”, afinal?!

Olha que coincidência... Não lhe respondi à pergunta – nem ela me respondeu à minha! Enfim: nestas ocasiões, geralmente, dou-me por vencida e vou para o quarto amuar – e foi exatamente o que fiz.

- Joana, anda para a mesa: o jantar está pronto!
- Não tenho fome!
- Joana! Ouviste o que eu disse?! Anda para a mesa!
- Não tenho fome!
- Vou ter que ir aí acima?!

Ups. Depois desta frase, por norma, segue-se sempre um beliscão, um par de estalos, uma palmada no rabo, ou então algo mais original – se a minha mãe estiver num dia de maior criatividade. Merda: vou ter que ceder (não é cobardia – só não me apetece ser agredida... deixo isso para outro dia, hoje não).

- Achas que já tens idade para te mandar... mas não tens! Para a próxima que me contestares, apanhas!

Apanho o quê? Mas caiu alguma coisa? Bom, acho que nem vale a pena dizer – esta parte foi só para ficar bem no meu intelecto –, na realidade, a única coisa que fiz foi baixar a cabeça, inclinar-me na direção oposta a onde estava posicionada a minha mãe – para evitar levar uma galheta antes do tempo – e embrenhar-me na contemplação do meu prato de sopa.

Enfim, esta minha vida de menor de idade é tudo menos fácil. Daí que não entendo quando nos dizem que estes são os melhores anos da nossa vida... Quem inventou esta frase com certeza não tinha os meus pais. E assim, caríssimo leitor, termino esta história (que só vos fez perder minutos – ou até horas, dependendo da vossa velocidade de leitura – de vida; os meus pêsames). Tenho só um último pedido a fazer: conhece alguma entidade que permita mudar a idade em que somos considerados “maiores de idade”? Trate lá disso, se faz favor. E depois mande-me um SMS a avisar, já agora. Grata pelo tempo disponibilizado.

Forte abraço.

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